terça-feira, 12 de março de 2013

Manhã de domingo em Madrid - excerto do capítulo 5



(...) Apesar de nada conhecer para lá de Santiago de Compostela, dei-me conta de que as decisões iam sendo tomadas apenas por exclusão de partes. Não me apetecia passar uma semana enfiado num barco. Excluí os cruzeiros. Achava idiota ir de avião para a praia. Coloquei de parte todos os chamados paraísos tropicais. Estávamos em Janeiro e o Inverno não dava tréguas. Adiei para outras núpcias uma visita a Amesterdão e afastei qualquer intenção de ir além dos Pirenéus. Deixei emergir o lado forreta da minha personalidade, comprei uma viagem numa companhia de aviação de baixo custo e fiz as malas para a capital espanhola.

Aterrei em Madrid numa fria mas ensolarada manhã de domingo. Viajei sozinho. Pretendia palmilhar a cidade, passar pelos pontos de visita obrigatória e, sobretudo, observar o modo de vida dos madrilenos. O Retiro foi a primeira paragem, ainda a arrastar a mala. Entretive-me durante algum tempo a ver o movimento e dei comigo a concluir que os visitantes do parque eram domingueiros profissionais. Haviam acordado cedo, supostamente para se divertirem. Mas fazer o despertador madrugar num domingo de Inverno não será cumprir uma obrigação? Poderá o ócio estar tão corrompido na nossa sociedade que tenha horas marcadas? Provavelmente sim, foi a minha conclusão. Os jovens adultos, equipados com roupa desportiva das melhores marcas, que passaram por mim em ofegantes correrias, mirando com método os apetrechos electrónicos de controlo das pulsações, faziam-me lembrar executivos bem postos. Corriam, pedalavam ou patinavam, mas eu imaginava-os ensanduichados dentro de fatos e gravatas de bom corte e melhor tecido, pasta na mão, acelerando para um relógio de ponto. Aproximei-me do lago, admirei o Monumento a Afonso XII e inflecti em direcção ao Palácio de Cristal. O arvoredo, a relva e a passarada fizeram-me relaxar.

Os stressados do desporto dominical já haviam ficado para trás. Achei o sossego. Não me sentei na relva porque esta estava ainda húmida da geada nocturna. Ao longe, junto de uma estátua equestre, vi uma série de pessoas dispostas em semicírculo. Foquei-me naquele quadro e percebi que se tratava de uma leitura colectiva. Todos, e seriam mais de uma dúzia, estavam sentados no chão com um livro aberto em frente. Ao centro, uma rapariga, com pouco mais de 20 anos, lia em voz alta um texto da obra que, pressupus, fosse a mesma que os companheiros mantinham diante dos olhos. Não me aproximei demasiado, porque não quis perturbar o clima de pura harmonia que ali descobri. Por isso, não escutei as palavras pausadas da leitora. Ignoro o seu teor, mas gostei tanto daquele instante de sossegada distensão que decidi convencer-me de que leriam um belo romance ou palavras subversivas contra a ditadura dos mercados e do pensamento único da austeridade que ameaçava já toda a Europa (...)

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