(...) eram 4h23, segundo o relógio despertador
pousado na mesinha-de-cabeceira, acordei de rompante. Ao contrário de outras
noites, não estava agitado nem transpirado. Mas uma sensação estranha
consumia-me. Era como se um novelo de lã me tivesse entrado na boca enquanto
dormia e agora quisesse bloquear-me a respiração. Estava a tomar um medicamento
que, segundo a respectiva bula, poderia causar um choque anafilático,
Rapidamente juntei dois mais dois e, num ápice, coloquei-me em frente ao
espelho do quarto-de-banho, goelas abertas até trás e olhos postos na úvula.
Estava gigantesca. O coração disparou, comecei a caminhar de um lado para o
outro, sem saber se deveria telefonar para o 112 ou não. Entretanto, sentia o
corpo estranho a crescer no orifício oral. A taquicardia acelerava. Perdi a
vergonha de passar por hipocondríaco histérico e telefonei para o número de
emergência. O operador perguntou-me os sintomas, a designação dos medicamentos
que tomava habitualmente e pediu-me alguns instantes para consultar o médico de
serviço. Daí a instantes estava de novo em linha:
- Mantenha-se calmo e vá verificando se
continua a respirar sem problemas, apesar do mal-estar, enquanto mandamos para
aí uma ambulância.
- Ambulância? Mas é mesmo grave?
- Tanto pode ser como não ser. À Cautela
enviamos a ambulância. A menos que prefira ir monitorizando a situação. Se
sentir problemas para respirar pode voltar a telefonar-nos. Ou prefere a
aconselhar-se com a linha Saúde para
Todos?
- Se calhar é melhor. Falo com eles e logo
vejo.
O operador passou a chamada telefónica.
Atendeu-me um tipo enfadado, que deveria estar a ser acordado naquela altura.
Ouvia mal o que eu lhe dizia e penso que não acreditava que eu estivesse
doente. Tomava-me por um lunático solitário sem nada para fazer durante a
madrugada. A desconfiança parecia-me estar a demover o indivíduo de atender-me
convenientemente. Mas ao fim de longos segundos, que pareceram muitos minutos,
ele iniciou uma tentativa de diagnóstico.
- Mas só tem a glote inchada?
(Eis o motivo da desconfiança do meu
interlocutor. Queria referir-me à úvula, mas, enervado e com medo de sufocar,
disse-lhe que tinha a glote inchada, o que fazia pouco sentido)
- Acho que sim.
- Acha que sim? Mas e a cara, a cara não está
inchada?
Fui até junto do espelho, olhei-me de frente
e de perfil, de um lado e do outro e gritei:
- Sim, a cara também está inchada. Isto é
grave?
- Mas está inchada como?
- Inchada como? Inchada!
- Mas está o dobro do que é costume?
- Isso também não, está um pouco mais larga.
- E manchas no corpo, tem?
Passei-me revista em três tempos. Nada de
manchas.
- Não, a pele está normal.
- Experimente chegar com o queixo ao peito,
consegue?
- Sim.
Respondeu-me algo que não consegui perceber,
porque ouvia uma outra operadora berrar por trás dele:
- A senhora não urina há três semanas???!!
Pedi-lhe que repetisse e o que ele dissera
fora:
- Vai fazer o seguinte: ingere líquidos
frescos para ver se lhe passa o tal desconforto na garganta que lhe parece um
inchaço. Vai-se deitar, coloca a almofada alta para reduzir o risco de asfixia,
e tenta descansar o resto da noite.
- Está bem, obrigado.
Passou-me um atestado de histeria. Mas ele
tinha razão. Nada em mim intumescera. Foi tão só um ataque de pânico que me ia
custando a reputação, se tivesse deixado partir a ambulância em meu socorro (...)
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